sexta-feira, março 26, 2004
[00.227/2004] Entrevista [ II ]
Foi a amargura em pessoa que se expressou ontem na RTP. Somente o tratamento mais característico da intimidade, para com a qualificada jornalista Judite de Sousa, considerando-a "sua querida", conseguiu despontar algum raio de alegria do laureado Saramago. Se inicialmente fez questão de desancar no PP e tacitamente em Aznar a torto e a direito, como bem quis e entendeu, defendendo depois, a onírica visão de que se as forças militares estrangeiras abandonarem o Iraque, ficando este Estado completamente livre, não só da ocupação bélica forasteira, ficará também livre dos terroristas que entretanto entraram pela porta que as forças da coligação escancararam, temos neste Saramago do presente um autêntico discípulo de Rousseau. Ontem, Saramago acabou por estar a fazer a defesa de um novo "Contrato Social", fazendo da Democracia, não o mito que o escritor entende que existe na actualidade, mas sim a força do povo, evocando, por entrelinhas, Lincoln. Saramago está descontente com praticamente tudo e com todos. Os plutocratas, essa nova burguesia, classe reinventada sob os escombros do marxismo, continua a dominar o mundo. O que falta a Saramago, e o próprio não sabe encontrar, é a classe dos oprimidos, a classe que substitua nos cânones o proletariado, que possa, primeiro resistir e depois combater e derrubar esta classe opressora. Adoptando uma leitura marxista. Não é a militância doutrinária que Saramago coloca em causa, mas é a militância cívica democrática, e esta mais do que a doutrinária, é de facto a mais relevante do ponto de vista social. Saramago já percebeu isso. O que dói a Saramago é o retrocesso na caminhada democrática. O seu livro, e ontem na entrevista quis fazer passar a mensagem, apela ao voto, mas em branco. Mais não pretende do que penalizar os partidos, conjunto de pessoas que só se preocupam com os seus conjuntos de cozinha, assim Saramago os define, e pretende incentivar o regime democrático, um novo regime democrático, onde os partidos não sejam os únicos detentores do Poder. O Contrato de Rousseau transpira no pensamento de Saramago. Todavia, o que Saramago nega a Rousseau é a cidadania colectiva, que o próprio Nobel ainda deve conservar do pensamento leninista. Entre o futuro e a resignação, Saramago opta pela crítica. Na realidade, tem a sua pertinência, mas não tem o dom de catapultar as massas como certamente o escritor desejaria. CMC
4:54:00 da tarde
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