sábado, abril 24, 2004
[00.351/2004]
Caro Raúl,
Na realidade, o regime do Estado Novo não foi fascista. Se bem que, e importa fazer esta ressalva, teve, no início, alguns laivos do fascismo, nomeadamente no que à estética diz respeito.
Este termo – fascista-, não passa de uma mera expressão da retórica política, que tendeu a generalizar-se, para catalogar o regime liderado por Salazar.
A nível doutrinário, o Estado Novo jamais poderia ser fascista, por um, de muitos pontos divergentes, mas este aspecto é por demais evidente. O fascismo, o italiano (o único), tinha em si o germe revolucionário, de origem urbana. O Estado Novo era diferente. O seu porte caracterizava-se pelo conservadorismo, de origem rural.
A própria base de apoio do regime também divergia. Em Portugal a alta burguesia sustentava o regime, em Itália, o grande apoio, o significativo, era o da pequena e média burguesia.
Há quem possa, e correctamente, afirmar, que a alta burguesia italiana também apoiou Mussolini. Em certa medida isto sucedeu, mas por um motivo: o receio do avanço do comunismo na Europa. Se bem que fosse crítico do leninismo, vejamos a nacionalidade de um grande comunista europeu: Gramsci – italiano. As políticas soviéticas eram bem conhecidas e bem temidas. Contudo, mesmo apoiando o Duce, a alta burguesia italiana sempre desconfiou dele.
Se dúvidas restam quanto à definição de o Estado Novo ser ou não fascista, nada como ler as respostas dadas por Salazar a António Ferro, nesta obra, na qual podemos constatar que há diferenças quanto à natureza dos regimes, especialmente entre o português e italiano. Importa relembrar que as entrevistas foram feitas no período do auge do fascismo em Itália e do nazismo na Alemanha, ou seja, em tempo favorável a defender as ditaduras, sobretudo pela pujança que estas tinham na época.
Por conseguinte, caro Raúl, dúvidas quanto a um regime ditatorial vigente em Portugal entre 1926 e 1974 não existem. Ele existiu. Provavelmente, só quem receia que a retirada da palavra “fascismo”, a um regime que nunca o foi, considere que remove do Estado Novo a sua verdadeira essência autocrata. Isto também não é possível.
Chame-se fascista, comunista, o que quiser ao regime do Estado Novo, mas fascista é algo de não pertença ao regime que governou no nosso país durante 48 anos. Até Salazar, em 1949, se deu ao luxo de dizer que em Portugal haveria “eleições tão livres como na livre Inglaterra”. Para ele as eleições até poderiam ser democráticas, mas só na exclusiva vontade da sua decisão pessoal. Como sabemos, de democrático nada houve. 1958 demonstrou.
Em suma, se quiser encontrar uma definição respectiva, faço minhas as palavras de Jorge Sampaio: “autoritarismo primário rural”.
CMC
2:57:00 da manhã
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