segunda-feira, dezembro 27, 2004
[1.521/2004]
O novo Tratado de Methuen
Depois do vinho a língua
Depois de há três séculos termos perdido o vinho, agora é a vez da língua. Lamentavelmente, em Portugal, tudo, ou quase tudo, parece servir de moeda de troca. Em troca, precisamente, de nada. Ou melhor, de subserviência.
Há poucos dias referia-me à transição de Macau de Administração portuguesa para a chinesa e como, entretanto, o ensino de português disparou, como não tinha sucedido enquanto os lusos governaram o território.
Da mesma forma, segundo o que circulou, na sequência da reunião magna em Lisboa, da língua portuguesa, o português também disparou em Moçambique. O encontro da língua portuguesa ocorreu, não sei se por coincidência de calendário ou apenas mimese de outros, já que foi organizada após os sauraus dos falantes de espanhol e francês.
E, em Portugal, o que fazem os nossos excelsos políticos? Apenas defendem a introdução do inglês no ensino básico. Como se tivessem encontrado a panaceia dos males portugueses: ensinar inglês às crianças. Quer o programa do PS, quer o Governo ainda em funções, ambos defendem a introdução o mais cedo possível.
Ora, tal medida não é nova. Em Itália, se bem me lembro, o senhor magnata da comunicação social e actual líder de executivo, também defendia essa medida na campanha eleitoral das legislativas transalpinas. Mas, há uma diferença substancial entre Portugal e a Itália, e ela reside no número de materno falantes. O italiano pouca mais expressão tem para além da península a sul dos Alpes e na Confederação Helvética. Ainda podemos acrescentar os respeitosos Estados de São Marino e do Vaticano, que se encontram na península da grande Itália. O português, não só não se confina a este território mais a ocidente do Velho Continente, como se expande em África, na América do Sul, na Ásia, ainda que em menor, muito menor dimensão.
Em vez de os nossos políticos, à direita e à esquerda, defenderem o português como língua de trabalho na UE, preferem nem reivindicar e apenas apoiam o inglês como língua franca. Quando, recorde-se, a nível mundial o português é a terceira língua europeia de materno falantes, depois do inglês e do castelhano. À frente de outras, outrora, potências falantes, como, sobretudo, o francês e o alemão.
Mas, o que faz hoje do português uma língua com projecção mundial? Tudo se deve, por enquanto, ao Brasil, não só pela sua base demográfica, mais de 150 milhões, mas também pela potência emergente que surge na América do Sul. Bem como, futuramente, Angola e Moçambique farão, muito provavelmente, do português uma língua com maior dimensão mundial. E Portugal, o que faz? Nada. Prefere defender o inglês como língua de trabalho da UE e ensina inglês às crianças no básico.
E, se em Macau o português se ensina, tal se deve, mais, às ligações/relações que China e Brasil têm aprofundado, a diversos níveis, bem como aos fortes investimentos da República Popular da China nos chamado PALOP (que expressão mais neo-colonialista para designar os Estados independentes, mas que, com este termo, ainda nós, portugueses, queremos pensar que grande parte das antigas metrópoles ainda estão dependentes de nós; como nos enganamos).
O português, qualquer dia, sujeita-se a cambiar de termo, passando a denominar-se de brasileiro: a língua oficial do Brasil. E, pelo andar da carruagem, nem me admiro que a outra potência crescente, Angola, se importe com isso. Até porque, os dois países detestam a expressão lusofonia, visto que, no seu termo, a palavra prende-se com Portugal. E, bem vistas as coisas, o que faz Portugal? Apenas defende a respeitosa língua de Shakespeare. E a de Camões? Essa pouco importa. Está mais do que visto. Até nos manuais do secundário as grandes referências da nossa literatura são afastadas. Pouco importa o que escreveu Gil Vicente ou Bocage, Sá de Miranda ou Ramalho Ortigão.
Lamentavelmente, continuamos a ser um país que gosta de assinar tratados, como os de Methuen.
Depois ainda temos o descaramento de criticar e acusar os espanhóis de prepotência, só por que cuidam dos seus interesses?
Em Portugal, a classe dita pensante nem apercebe que actualmente, na superpotência mundial, já se colocam questões como a onda de hispano falantes. Até o pai do "choque de civilizações" já acena com o fantasma hispânico nos Estados Unidos.
Como escreveu, ontem no Público, António Barreto passamos "Da asneira à cegueira" e propôs: "que o inglês seja obrigatório a partir dos seis anos ou do jardim-escola. E português, só aos oito, como primeira língua estrangeira. Optativa, está de ver!"
Para muitos políticos da nossa praça a sua pátria não é, muito provavelmente, a sua língua.
É caso para dizer, quando os portugueses pensam defender os seus interesses, que "tudo me enoja e aborrece".
CMC
10:38:00 da manhã
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