sexta-feira, novembro 04, 2005
[1.533/2005] As manifestações
Caro Lutz, O texto não foi escrito com sentido de indignação, somente de recordação e comparação. Porém, ao contrário do que entende, eu não me oponho a manifestações que visam exclusivamente dirigentes e governantes estrangeiros. Estamos na era global, pensar que o que se passa, no caso, no Irão, não nos diz respeito, é de um autismo tremendo, que sei não ser o seu caso. Aliás, o seu blogue, refira-se de enorme qualidade, é prova disso. Quanto ao facto de se realizarem apenas manifestações de âmbito interno, notemos a diferença, as sociedades não têm todas o mesmo regime. Em democracia, em Portugal, como nos Estados Unidos, ou no Reino Unido, quem se opôs à guerra contra o Iraque teve oportunidade de expressar a sua veemência na rua. Já no caso iraniano, será que os nacionais que discordam da leitura do seu Presidente sobre Israel podem fazer o mesmo? Ou seja, descer às ruas de Teerão, ou outra cidade iraniana, e manifestar a sua oposição? Ambos sabemos a que se sujeitam. Por isso, caro Lutz, o destinatário duma manifestação são e devem ser os próprios governantes, a própria sociedade em que vivo, é um conforto a que nós, em sociedades democráticas (que não são perfeitas, como nenhuma comunidade o é) temos, ao invés de outras. Seguindo a sua linha de raciocínio, uma manifestação contra a invasão do Iraque (se sou contra ela... [somos dois]) justifica-se, se o meu governo participa nela ou a apoia, e uma manifestação em Portugal na ocasião das declarações do Presidente Iraniano faria, no meu entender, todo o sentido, se achasse que o meu governo não o condena o suficiente, não faz as pressões devidas ou ainda mantém negócios criticáveis, como por exemplo tráfego de armas ou de tecnologia nuclear, com ele As relações luso-iranianas não são as maiores, mas existem. E no caso da posição do Governo português, este associou-se à posição da UE, assumida pela presidência britânica. Todavia, pela análise que o Lutz apresenta ninguém se devia opor às posições nucleares de Teerão, excepto, primeiro, os iranianos, que dela discordem, e, depois, os russos que estejam contra o Governo do seu país, por o Estado eslavo estar associado ao projecto nuclear. E aqui o ponto fulcral deve ser realçado. Sendo um assunto, a priori, de cariz interno, dinamização de um programa nuclerar, o caso não é de modo nenhum inócuo para a comunidade internacional. Por outro lado, caro Lutz, como aludiu à esperança que se deve ter na sociedade iraniana, tenhamos em consideração o que se passou nos últimos anos. (Esperança, concordo consigo, de que não devemos em circunstância nenhuma abdicar.) Kathami foi, do meu ponto de vista, um bom Presidente. Abriu pontes externas, preferiu o diálogo à confrontação. Foi ouvido e fez-se ouvir. Não se fechou em copas. Mas a sua versão moderada esgotou-se. O resultado das últimas presidenciais iranianas comprova. Entre um reformador e um ortodoxo, os iranianos, de forma esmagadora, que me surpreendeu, confesso, optou pelo candidato radical. É o voto da maioria que determina e deve respeitar-se. De acordo. Agora não deixa de ser curiosa a opção maioritária. O que, aliás, não é novo no Irão, basta recordar como e porquê regressou e arrebatou o poder o ayatola em 1979. As condições existentes eram propícias. Os liberais avançaram em muito, mas também defraudaram. E as urnas tanto servem para escolher como para rejeitar. Mas, regressando ao ponto que nos traz a esta saudável troca de palavras, a questão nem se prende tanto com existir ou não manifestações contra o Presidente iraniano. Trata-se, isso sim, de assinalar dois pesos e duas medidas de algumas pessoas. Se o Presidente Estados Unidos, ou até do Primeiro-Ministro de Israel, assumissem um discurso que apelasse à eliminação de um Estado do mapa, rapidamente se ouviriam vozes a condenar e, provavelmente, pessoas a organizarem manifestações. (Eu próprio me juntaria a esse repúdio.) Assim, como se trata do Irão, país inofensivo (deduzo que seja o que certas pessoas julgam), que quer desenvolver um programa nuclear (algo tão normal como estabelecer trocas comerciais), e o Chefe de Estado afirmar que um país deve desaparecer, pois então que diga que Israel deve desaparecer do mapa. Obviamente, nada disto é normal, nada disto é inofensivo, tudo isto é preocupante. Reafirmo, a propósito do que escrevi, não me indignei, apenas constatei. CMC
2:15:00 da tarde
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