quinta-feira, dezembro 01, 2005
[1.694/2005] Metamorfoses do tempo
Caro João, Devo dizer-lhe que perdi o pé do interessante debate que tem vindo a promover com alguns neoliberais. Penso que o comboio, do debate, já partiu e eu ainda estou na estação. De qualquer forma, pelo que li, superficialmente, e tenho constatado, muitos dos neoliberais não perceberam, ou melhor, omitem (?), é que eles são, primeiro do que ninguém, seguidores dos passos de Karl Marx. Não na ideologia, mas no método de abordagem da sociedade. Tudo, ou melhor, quase tudo, nos neoliberais, como na parte final da vida de Marx, tende a resumir-se a uma questão meramente económica. E, deste modo, passa-se a deduzir ou inferir pela óptica estritamente económica. Espanto-me com tanta devoção da blogosfera portuguesa neoliberal a Hayek. Ainda não me apercebi, por exemplo, de nenhuma referência de muitos neoliberais a Nozick. Pensador contemporâneo, recentemente desaparecido, que se coaduna bastante com o pensamento do neoliberalismo dos devotos da Escola austríaca de Chicago. Porém, até ao momento apenas encontro resposta no poder e na efectivação política e económica da doutrina de Hayek, ao contrário da de Nozick, que tem ficado pelos livros. Se notar, a lógica e evocação do neoliberalismo de Hayek ainda se orienta pelo contexto da Guerra-Fria. E hoje sorriem, procurando enfatizar, como foi a corrente neoliberal, patente na política dos Estados Unidos e Reino Unido da década de 80, que derrotou o comunismo soviético. O que, bem vistas as coisas, é apenas parte da verdade. A outra, que não aludem, é a falência do próprio modelo soviético, que já os sucessores de Brejnev, antes até de Gorbachov, quer Andropov quer Tchernenko, deixavam nas entrelinhas, no início da mesma década de 80 (de ascendência e apogeu da doutrina de Hayek). Por conseguinte, sou levado a considerar que o neoliberalismo se esgotou no final do século XX. Isto porque, note-se, por exemplo, nos protagonistas da actual Administração norte-americana, que cresceram politicamente na onda neoliberal das anteriores Administrações Republicanas, e hoje já não seguem o modelo anterior. A Guerra-Fria acabou e o presente século está a orientar-se por outras e diferentes coordenadas. Aliás, vale a pena assinalar, a este propósito, a tese de Malraux. O século XXI é religioso ou não é. Comprova-se o peso da religião a nível mundial e os actuais inquilinos da Casa Branca são dos primeiros a dar protagonismo à religião. E, aqui está um ponto difícil de desfazer, como é que a lupa exclusivamente económica se ajusta ao tema religioso? Complicado. Restam vários adeptos de Hayek, que talvez procurem, penso, adaptar o modelo às realidades e desafios do novo século. Veremos, dentro de uns anos, como se estrutura o pensamento do neoliberalismo, ou se esfuma com o tempo. Já que a dimensão religiosa, cada vez mais presente, dificilmente encaixa numa análise que parte de pressupostos unicamente económicos. De qualquer forma, procurarei acompanhar o debate que prossegue e recuperar o perdido. CMC
12:31:00 da tarde
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