terça-feira, dezembro 27, 2005
[1.860/2005] Belém bem pode virar Eliseu
Caro Rui, A campanha presidencial portuguesa tem ganho proporções, a nível do discurso, que parece tratar-se da eleição de um Presidente da República com as competências constitucionais do chefe de Estado francês. Mas não estamos a eleger um Presidente com as competências do gaulês. Longe disso. Porém, importa sublinhar, que um dos candidatos presidenciais, leia-se Professor de Boliqueime, gostaria de ser eleito com as competências do chefe de Estado francês. Lá isso gostaria. Basta conhecer o perfil da pessoa em causa e entender as razões desse interesse. O que o senhor fez, ou melhor, declarou hoje numa entrevista, foi uma jogada brilhante. Conseguiu os seus objectivos. Colocar os quatro principais adversários a criticarem as suas palavras. E os quatro caíram que nem uns patinhos na artimanha. Por um lado, ele mostra (à sociedade) que tem ideias e propostas, não é um candidato mudo - como os adversários querem fazer crer. Por outro, procura obter, na opinião pública, o suporte das suas propostas. E, mais curioso, neste ponto, o reconhecimento da opinião pública advém mais das críticas dos adversários (por serem quem são) do que da proposta apresentada. A proposta da Secretaria de Estado não foi dita de forma inocente. É premeditada. Basta observar com o mínimo de atenção a campanha que o senhor está a realizar. Nem um deslize. Nem mesmo no duro e difícil debate que teve de realizar com o ex e experiente chefe de Estado o senhor escorregou. Tudo pensado até ao milímetro. Nota-se uma ligeira queda nas sondagens e ele larga um trunfo para o recuperar em seguida. Agora não se vai criticar o senhor por não falar, critica-se por manifestar pontos de vista. A inteligência de um antigo director de um jornal diário, que foi beber aos Estados Unidos os ritmos de uma campanha eleitoral, está a atingir os objectivos propostos. Ao fim e ao cabo, vindo de quem vem, o que o senhor candidato hoje disse não é nada de surpreendente. Todos sabem que a Presidência, com o Professor de Boliqueime, será exercida de modo a governar, não de moderar. O cúmulo, no fundo, é o interesse de parte da população portuguesa identificar-se e apoiar o estilo presidencial que corresponde à personagem em causa. Importa perceber porquê. Há quem esteja desatento e não se aperceba das jogadas de quem pretende conquistar o poder. Para se atingir este desiderato importa, primeiro, perpassar um discurso, e, depois, solidificar certos sentimentos na sociedade. Isto não se faz do dia para a noite. Ao longo dos últimos anos construíram uma imagem do Professor de Boliqueime de que ele é o indispensável para endireitar o país. Uma falácia. Mas uma falácia que singrou. A esquerda deixou que o discurso perpassasse, pensando que em política só conta o imediato. A esquerda não ligou ao discurso que estava a ser construído e instalado. Enquanto a direita, que já governou o país, sabe que tinha, tem, no seu providencial candidato, a hipótese para sair do obscurantismo a que foram relegados, caso seja o seu timoneiro seja eleito Presidente. Conseguiram constuir, sem qualquer obstáculo, a imagem do salvador. O senhor que governou com os bolsos cheios e pouco fez pela qualificação do país, aparece como um redentor.Conseguiram que qualquer crítica o transformasse numa vítima. Ele, que vem, outra vez, para nos salvar. Faz-se crer. Como se existissem salvadores da pátria. Em suma, nada do que o candidato diz, no sentido de governamentalizar a Presidência, é novidade. Novo e surpreendente, isso sim, seria se o senhor dissesse declaradamente que quer ser um moderador, aí a bota não batia com a perdigota, conhecendo nós o perfil do candidato. Todos sabem o que fará o Professor de Boliqueime no Palácio de Belém. E, repito o expresso anteriormente, o paradoxal é que muitos portugueses querem um Presidente com este estilo, mais interveniente. Sobretudo depois dos últimos três anos, de sucessivos e pouco credíveis governos, que só ajudaram para a construção da imagem do desejado, a partir da Presidência. O tal senhor recto e disciplinador do país. O Presidente português não tem os poderes do francês, mas com o Professor de Boliqueime eleito, Belém bem pode virar um (petit) Eliseu (dentro das condicionantes máximas). Deste modo, a médio prazo, depois de devidamente instalado, as pretensões de redecorar, estética e humanamente o Palácio de São Bento, aumentam. CMC
9:07:00 da tarde
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