[0.622/2006]Distinções"A vós que viveis sob condições de uma grande liberdade de palavra, situação que, portanto, as palavras não são aparentemente tão importantes.
Elas são importantes.
Elas são importantes em todo o lado."
Václav HavelHá quem não entenda ou não queira entender o que tenho escrito nos últimos textos. É um direito que, felizmente, a Liberdade concede.
Quando se empregam palavras, estas têm significado. Traduzem muita coisa, muito mais do que a simples palavra empregue, sobretudo na linguagem política.
Se há quem expresse algo sem ter noção do que está a dizer, e diz só por dizer, é lamentável que o faça não tendo noção do que diz.
O que algumas pessoas não entendem ou não querem entender, quando referi que o Estado Novo, uma ditadura que durou quase meio século, não foi fascista, é que o fascismo incorpora uma doutrina, traduz um pensamento e acção próprios, que difere do pensamento e acção do Estado Novo. Tive o cuidado de apresentar algumas diferenças no texto 620.
Por isso, não é indiferente conceber os tipos de ditaduras existentes. É um regime que não permite a Liberdade. Mas, tal como nos regimes democráticos, há diferenças entre si.
Note-se, por exemplo, e refiro casos extremos, pois são mais compreensíveis pela evidente diferença: o totalitarismo nazi matou milhões de pessoas por motivos étnicos, o totalitarismo soviético eliminou milhões por motivos de propriedade.
Há diferenças na forma como os déspotas governaram os seus Estados e na forma como quiseram legitimar as suas práticas.
Em Portugal, a ditadura edificou-se de um modo próprio, diferente da construção do Estado fascista italiano, até porque as razões e consequências de um e de outro regime, assim como os percursos dos seus responsáveis, são diferentes. Estes factores devem ser tidos em conta.
(Tal como, e repesco por momentos a questão da I República, se deve perceber os antecedentes da instauração do novo regime de 1910. Não se pode compreender o que se passou depois, sem ter uma noção do que havia. Caso contrário não se percebe o porquê de tanta instabilidade após o dia 5 de Outubro de 1910.)
Nunca omiti a tortura e os assassinatos perpetrados pela PIDE/DGS. Nunca neguei a existência de
ditadura (ausência de Liberdade, Democracia e Direitos) -
o Estado Novo tem a sua génese no que sucedeu, neste dia, há precisamente 80 anos. Nunca escondi que o Estado Novo condenou várias gerações de portugueses a não ter futuro, por terem ido para África combater em nome de uma guerra que não era sua, e, deste modo, acabou por condicionar as gerações seguintes.
Por muito abjecta que fosse, e era no meu entender (outros há que discordam da minha leitura), a ditadura do Estado Novo não pode ser concebida como fascista, porque ela não era, de facto, fascista, muito menos, como li algures, um nazismo rural (quem expressou esta denominação tem noção do que foi e fez o nazismo?).
Os factos devem ser interpretados e entendidos e, por isso, assumem expressões (palavras) diferentes, que traduzem o que representam.
Não há qualquer branqueamento, muito menos revisionismo. Há uma análise do que existiu: uma ditadura ultra-conservadora. Não há uma concepção do que se pretende, enviesadamente, dar a entender: um regime fascista.
Quanto à aprendizagem de vida ou de escola, meu caro Luís, infelizmente há quem nem a adquira por uma nem por outra, ainda que pretenda valorizar uma por não deter a outra. Mas nenhuma das duas é inválida, quando exercida com bom-senso.
Quanto às palavras, elas são, e ainda bem, a única arma possível de empregar em democracia. Ao contrário dos regimes ditatoriais, onde as palavras se querem silenciadas. Isto também se aprende pelo bom-senso. E, como disse o antigo Presidente checo, as palavras são importantes em todo o lado.
CMC