terça-feira, março 27, 2007
[0.382/2007] Dos fantasmas e das feridas do Estado Novo
Caro JPN, Não assumi nenhum tipo de revisionismo histórico nos textos que estão expostos mais abaixo e se referem ao ditador de Santa Comba Dão e ao período do Estado Novo. Uma coisa são fantasmas e outras são feridas do Estado Novo. Penso que importa distinguir. Fantasmas há vários, como foi possível observar no programa de domingo, bem como as reacções ao resultado do concurso, como o DN dá hoje nas primeiras páginas. Feridas há muitas, e muitas feridas não sararam e nalguns casos nem saram. Há quem refira, e bem, como o LNT tem expresso aqui no TUGIR, os muitos que foram detidos no período da ditadura por questões políticas, por oposição ao regime, tendo sido torturados, condenados ao degredo e outros foram mortos. Mas há muitas mais e profundas feridas na nossa sociedade do período do Estado Novo e estas feridas não são referidas e, todavia, são por muitos tidas e sentidas. Gente anónima, simples e humilde que transporta este fardo de um período de atraso do país ainda presente. Basta andar por Portugal e em cada esquina encontrar famílias que têm esta marca do Estado Novo. Por exemplo, quantas não são as que perderam familiares na Guerra Colonial? Quantas não são as famílias que viram o futuro pessoal e profissional do seu agregado hipotecado por um regime que não criava esperanças de desenvolvimento Humano? Quantas não são as famílias que ainda hoje transportam as dores de uma guerra que não era a sua? E quantas, mesmo aquelas saudosas do tempo do Estado Novo, que viveram ou nasceram no Ultramar, sentem uma dor, pouco manifesta mas latente, de viver num país, Portugal, que não lhes agrada, precisamente pela errada e desastrada política do Estado Novo por não ter projecto de futuro, e sentem ardor quando sabem o que se passa na terra de nascimento e/ou vivência? Estas feridas estão à vista de todos nós, ainda que poucas vezes sejam pouco registadas. E quantas não são as famílias que se dividiram por muitos dos seus elementos precisarem de encontrar no estrangeiro as oportunidades de desenvolvimento que a sua terra natal não propiciava? Seguramente, mais de 2/3 dos portugueses transportam estas feridas. As profundas e enraizadas feridas do Estado Novo, bem mais reais e totalmente sentidas, ao invés dos fantasmas que algumas pessoas alimentam. Estas feridas estão bem presentes na nossa sociedade e raramente são mencionadas como marca do Estado Novo. Tudo se resume aos combatentes políticos, como se Portugal fosse só os intérpretes políticos. Foram eles, mas não só. É este Portugal actual que se esquece, não percebe mas que continua a sentir o golpe do atraso, na mentalidade e na essência de ser português. O Portugal com saudades de um país melhor, como diria Pascoaes, que o Estado Novo nunca criou, e que a Democracia ainda está por explorar devidamente. Enquanto a Democracia não for plenamente assimilada e exercida, política e civicamente, por todos, será sempre a política e essência do Estado Novo a vingada. Não nos admiremos com o resultado do concurso da RTP. Mais do que agitar fantasmas, que nada nos dão, devemos, antes, indignarmo-nos com a nossa pouca exigência cívica, a diversos níveis, de querer um Portugal melhor, muito melhor do que aquele que o ditador não cria e não permitiu. Na ditadura, o Estado fazia questão das pessoas não serem exigentes, deviam, apenas, obedecer. E muitos, com receio de responsabilidade, agradeciam. Continuamos a alimentar os egos dos campanários e quintais, em vez de procurarmos as oportunidades deste tempo. Chegamos ao ponto de exigir ao Estado aquilo que não exigimos a nós próprios. Queremos muito dos outros, mas assumimos poucas responsabilidades. Se quisermos ultrapassar este nosso atraso estrutural, devemos saber transformar os actuais e pertinentes textos de Eça, redigidos muito antes da governação do senhor de Santa Comba Dão, em escritos anacrónicos. Enquanto isto não suceder, serão sempre aqueles que pensam como o ditador, que sorrirão, pois continuarão a (saber) mandar e/ou dominar num país pobre, atrasado e sem futuro. É preciso conhecer a Alma para a saber explorar. Esta foi uma das principais forças do ditador. Só não a vê quem não quer. CMCEtiquetas: Estado Novo
12:54:00 da tarde
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